Na Espanha, em 1932, quando republicanos, anarquistas e monarquistas se enfrentavam nas ruas, Henrique da Galícia, conhecido como “Limbo”, sentia-se feliz. Seus sonhos por um mundo mais justo pareciam próximos. O espírito socialista o impulsionava a lutar por seu povo, tão sofrido pelas classes dominantes, que viviam às custas de pesados impostos arrancados de bocas já famintas e doentes. O acesso à terra, herdado por famílias aristocráticas, permanecia restrito e manchado por séculos de sangue.
Apesar da esperança, Limbo sabia que a sorte estava mudando. Os aristocratas e todos aqueles que se beneficiavam do antigo regime corrupto começavam a se organizar para retomar o poder e preservar seus privilégios.
Diante disso, Limbo alistou-se no Exército Republicano, unindo-se a comunistas, anarquistas e sindicalistas contra os nacionalistas, apoiados pelas ditaduras nazista e fascista de Hitler e Mussolini. A Guerra Civil Espanhola transformou-se em um laboratório bélico: Hitler via nela a oportunidade de testar suas modernas armas, auxiliando as tropas de Franco a se moverem do Marrocos e a sitiar cidades como Madri e Barcelona. O bombardeio sobre Guernica demonstrou ao mundo o poder destrutivo da Alemanha.
Os pedidos de ajuda da República foram quase inúteis: Inglaterra e França temiam se envolver e precipitar uma nova guerra na Europa. Apenas a União Soviética enviou suprimentos, mas em escala muito inferior à ajuda fornecida pelos alemães e italianos. A resistência republicana enfraquecia, e os últimos bastiões em Madri acabaram por capitular. As potências reconheceram o governo de Franco. A Espanha, que já sofrera com a gripe que ceifou milhares de vidas, agora enfrentava um novo flagelo: a eliminação impiedosa de opositores ao regime.
Em 1939, com o país dominado, Limbo e seus companheiros refugiaram-se em vilas e aldeias para escapar da fúria nacionalista. Debilitado pela fome e pelo cansaço, tentou atravessar a fronteira com Portugal, mas foi capturado e, como tantos outros comunistas, entregue à Alemanha para servir de cobaia em experimentos nos campos de concentração nazistas.
Levado de trem com judeus, homossexuais, ciganos e outros considerados “indesejáveis” pelo regime, Limbo foi parar em Dachau, onde permaneceu três anos.
A violência deixou marcas profundas: perdeu a visão de um olho, teve todos os dentes arrancados e as pernas quebradas diversas vezes. Ainda assim, continuava a sonhar. Apesar das mutilações, o desejo pela liberdade permanecia pulsando em seu coração.
Quando foi designado para transferência a Auschwitz, imprevistos impediram sua viagem de trem. Seguiu em um caminhão com outros prisioneiros, escoltados por soldados da SS. No trajeto pela Polônia, foram surpreendidos pela resistência local, que matou os guardas e libertou os prisioneiros. Sem condições de levá-los consigo, os partisans os deixaram na floresta. Limbo e dez companheiros passaram a lutar pela sobrevivência, enfrentando caçadores de recompensas e patrulhas da SS. Um a um foram sendo mortos, até que Limbo conseguiu escapar, encontrando refúgio em um acampamento de mercenários europeus aliados dos nazistas. Entre franceses, holandeses, belgas, italianos e espanhóis, sobreviveu mais alguns meses, ainda sob tortura psicológica, agora convivendo com aqueles que tanto odiava.
Durante a marcha rumo às estepes russas, Limbo conheceu Sarah, uma jovem alemã de origem judaica, cuja família fora assassinada em Auschwitz. Sarah, estudante de Filosofia e Direito, sonhava em dedicar sua vida à defesa dos mais pobres e à difusão do conhecimento. Mas com a ascensão do partido nazista, sua vida se desfez em perseguições, espancamentos e perda de direitos civis.
Selecionada por sua boa saúde, foi poupada da morte imediata, mas levada para ser usada como cobaia em testes de armas de destruição em massa nos campos russos.
Em 1942, um ataque da resistência libertou Sarah e outros prisioneiros, mas bombardeios da Luftwaffe e patrulhas da SS dizimaram quase todos. Limbo, obrigado a participar de uma execução, recebeu a ordem de matar Sarah. Em vez disso, arriscou-se: fugiu com ela. Juntos seguiram para a Grécia, onde foram resgatados por tropas britânicas.
Na volta, seus destinos se separaram. Sarah embarcou em um navio que foi torpedeado por um submarino alemão perto de Portugal. Sobreviveu milagrosamente, sendo resgatada por uma embarcação americana que a levou aos Açores e, em seguida, para os Estados Unidos. Limbo conseguiu chegar a Londres.
Nunca mais se encontraram, mas cada um guardou o outro na memória. E, nas noites silenciosas, quando olham para o céu, imaginam novamente as estepes russas, onde o acaso os uniu em meio ao horror da guerra.
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